terça-feira, 20 de novembro de 2012

Escravos Cristãos, Senhores Muçulmanos


 
Christian Slaves, Muslim Masters: White Slavery in the Mediterranean, the Barbary Coast, and Italy, 1500-1800 - Robert C. Davis
 
[Escravos Cristãos, Senhores Muçulmanos: Escravidão Branca no Mediterrâneo, Costa Bárbara e Itália, 1500-1800 - Robert C. Davis]
 
 

 

Novo livro reabre o antigo debate acerca de incursões escravistas sobre a Europa

Professor dos EUA afirma que mais de 1 milhão de pessoas foram capturadas por piratas africanos

Rory Carroll, Africa correspondent
Thursday March 11, 2004
The Guardian


Piratas do Norte da África capturaram e escravizaram mais de 1 milhão de europeus entre 1530 e 1780 numa série de incursões que despovoaram as cidades costeiras da Sicília a Cornwall, de acordo com a nova pesquisa.

Milhares de cristãos brancos eram apreendidos todos os anos para trabalhar em galés, como operários e concubinas para chefes muçulmanos no que são hoje o Marrocos, Tunísia, Argélia e Líbia, afirma.

Estudiosos há muito sabem sobre incursões escravistas sobre a Europa. Mas o historiador estadunidense Robert Davis calculou que o número total capturado - embora pequena, em comparação com os 12 milhões de africanos enviados para as Américas nos últimos anos - foi muito maior do que anteriormente se admitia.

Seu novo livro, Christian Slaves, Muslim Masters: White Slavery in the Mediterranean, the Barbary Coast, and Italy, 1500-1800 [Escravos Cristãos, Senhores Muçulmanos: Escravidão Branca no Mediterrâneo, Costa Bárbara e Itália, 1500-1800], conclui que 1 milhão a 1,25 milhão acabaram na escravidão.

A metodologia não ortodoxa do professor Davis divide historiadores sobre se suas estimativas eram plausíveis, mas eles dão boas vindas a qualquer tentativa de preencher uma lacuna na pouco conhecida história de africanos subjugando europeus.

Ao reunir diferentes fontes de informação da Europa ao longo de três séculos, o professor da Universidade de Ohio pintou um retrato de um continente à mercê dos piratas da Costa Bárbara, conhecidos como corsários.

Vilas e cidades na costa da Itália, Espanha, Portugal e França foram as mais atingidas, mas as incursões também capturaram pessoas na Grã - Bretanha, Irlanda e Islândia. De acordo com um relato eles chegaram a capturar 130 marujos estadunidenses de navios em que eles trabalhavam no Atlântico e no Mediterrâneo entre 1785 e 1793.

Na ausência de registros escritos, como detalhados formulários aduaneiros, o professor Davis decidiu calcular a partir dos melhores registros disponíveis indicando quantos escravos eram de um determinado local em uma única vez e calculando quantos novos escravos eram necessários para substituir aqueles que morreram, escaparam ou foram libertados.


Para manter a população escrava estável, cerca de um quarto tinha que ser substituída a cada ano, o que para o período de 1580 a 1680 significou cerca de 8.500 novos escravos por ano, num total de 850.000.

A mesma metodologia sugere 475.000 foram seqüestrados nos séculos anteriores e seguintes.

"Muito do que foi escrito dá a impressão de que não havia muitos escravos e minimiza o impacto que a escravatura teve sobre a Europa", afirmou o professor Davis numa declaração esta semana.

"A maior parte das contas apenas olha a escravatura em um só lugar, ou apenas durante um curto período de tempo. Mas quando você tem uma visão mais ampla e mais prolongada, o enorme alcance desta escravidão e do seu poderoso impacto tornam-se claros".

O professor Davis admitiu que sua metodologia não era ideal, mas Ian Blanchard, professor de história econômica na Universidade de Edimburgo e uma autoridade sobre o comércio na África, afirmou ontem que os números pareceram encaixar-se.

"Estamos a falar de estatísticas que não são reais, todos os números são estimativas. Mas não achamos em absoluto que o valor de 1 milhão seja de todo surpreendente. Ele tem sentido".

A chegada de ouro das Américas e o transporte de escravos da África Ocidental espremeu o tradicional negócio das frotas mercantis bárbaras que estavam transportando ouro e escravos do sul para norte da África, de modo que eles voltaram o seu olhar para a Europa, disse o professor Blanchard.


Escravidão

Contudo David Earle, autor de The Corsairs of Malta and Barbary e The Pirate Wars, disse que o professor Davis pode ter errado ao calcular a partir de 1580-1680, porque esse foi o período de escravização mais intenso: "Seus valores parecem um bocado inseguros e penso que ele pode estar exagerando".

Dr. Earle também advertiu que a imagem era escurecida pelo fato de corsários também terem apreendido brancos não-cristãos da Europa Oriental e pretos da África Ocidental. "Eu não arriscaria um palpite sobre o total".

De acordo com uma estimativa, 7.000 ingleses foram raptados entre 1622-1644, muitos deles tripulantes e passageiros de navios. Mas os corsários também desembarcaram em praias, muitas vezes durante a noite, para capturar os incautos.

Quase todos os habitantes da cidade de Baltimore, na Irlanda, foram capturados em 1631, e houve outras incursões em Devon e Cornwall.

O reverendo Devereux Spratt registrou ter sido capturado por "argelinos" quando estava cruzando o mar da Irlanda de Cork para a Inglaterra, em abril de 1641, e, em 1661, Samuel Pepys escreveu sobre dois homens, capitão Mootham e o senhor Dawes, que foram também capturados.

Ano passado foi anunciado que um dos mais ricos tesouros encontrados fora da costa de Devon era uma embarcação bárbara do século XVI que estava indo capturar escravos ingleses.

Embora os africanos pretos escravizados e enviados à América do Norte e do Sul durante quatro séculos passem em número as estimativas do professor Davis sobre europeus levados para a África na proporção de 12 para 1, é provável que eles sofreram as mesmas condições sinistras.

"Uma das coisas que, tanto o público como muitos estudiosos têm tendência a tomar como um dado adquirido é que a escravatura foi sempre racial por natureza - que só pretos foram feitos escravos. Mas isso não é verdade", disse o autor.

Nos comentários que podem gerar controvérsia, ele disse que a escravidão branca tinha sido minimizada ou ignorada porque os acadêmicos preferem tratar os europeus como malignos colonialistas do que como vítimas.

Enquanto os escravos africanos trabalhavam em plantações de algodão, os escravos europeus eram forçados a trabalhar em pedreiras, construções e em galés, sofrendo desnutrição, doenças e maus tratos.

Governantes paxás, com o direito a um oitavo de todos os cristãos capturados, alojavam-nos em banheiros superlotadas conhecido como baños e os utilizavam em obras públicas, como a construção de portos e corte de árvores. Eram dados a eles fatias de pão e água.

As mulheres cativas dos paxás eram mais susceptíveis de serem consideradas como prisioneiras a serem trocadas por reféns, mas muitas trabalhavam como assistentes no harém do palácio enquanto aguardavam por pagamento e liberdade, o que em alguns casos nunca chegaram. Alguns escravos comprados por particulares eram bem tratados e tornaram-se acompanhantes, outros eram espancados e realizavam trabalhos excessivos.

“Os menos sortudos terminavam empalados ou largados no deserto, em cidades pouco movimentadas como Suez, ou nas galerias do sultão turco, onde alguns escravos vagavam por décadas sem sequer por os pés na praia”, diz o professor Davis cujo livro é lançado pela editora Palgrave Macmillan, dos EUA.

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Fonte: http://books.guardian.co.uk/news/articles/0,6109,1166849,00.html


 

 

Freud é apenas uma lenda - Mikkel Borch-Jacobsen

Mikkel Borch-Jacobsen

"Freud é apenas uma lenda"

Filósofo e historiador, o professor da Universidade de Washington diz por que considera o pai da psicanálise uma fraude
por Natália Martino
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OMISSÃO
"Muitos pacientes de Freud cometeram suicídio e
ele nunca disse uma palavra sobre isso"
, afirma o professor

O filósofo e historiador Mikkel Borch-Jacobsen não se esquiva de uma polêmica. A última década da sua carreira, dedicada aos estudos sobre a história da psicanálise e da psiquiatria, foi pródiga em livros e opiniões controversas que lhe renderam inimigos entre terapeutas do mundo inteiro. Começou a receber as primeiras críticas severas em 1996 com o lançamento do livro “Anna O. – Uma Mistificação Centenária”, no qual questionava as avaliações de Freud sobre uma das suas principais pacientes. Foi também um dos autores do “Livro Negro da Psicanálise”, uma das obras mais barulhentas já lançadas sobre o assunto. Agora, escreveu “Os Pacientes de Freud”, lançado recentemente no Brasil (Editora Texto e Grafia), no qual reconstrói a trajetória de 31 pacientes de Freud. Na obra, ele conta os motivos que os levaram até o analista e, principalmente, como viveram durante e depois do tratamento. A partir de documentos, como cartas trocadas entre o terapeuta e seus amigos e entrevistas confidenciais feitas com os pacientes de Freud, o autor desconstrói o mito do criador da psicanálise.
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"Os medicamentos foram excluídos das histórias que o psicanalista
contou, mas muitos pacientes eram viciados em morfina"
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"Como Anna iria se curar se seu analista era o próprio pai do qual
ela deveria se desligar? Parece óbvio, mas ele não percebeu isso"


Mikkel Borch-Jacobsen - As histórias dos pacientes de Freud foram a base das suas teorias. Quando percebemos que elas são falsas, como vemos ao analisar a vida dos pacientes que descrevo no livro, toda a teoria da psicanálise é abalada. O caso apresentado por Freud como sendo de Anna O., que hoje sabemos tratar-se de Bertha Pappenheim, por exemplo, é considerado um dos mais fundamentais para o desenvolvimento da psicanálise. A paciente tinha sintomas graves de histeria que, supostamente, Freud curou com o método catártico. Mas isso não é verdade. No fim do tratamento, ela já não suportava mais conviver com o problema e foi internada em uma clínica, onde continuou apresentando o mesmo quadro de histeria. Apenas seis ou oito anos depois, Bertha foi considerada curada. Não se sabe como ela se curou, mas é óbvio que não foi com a psicanálise, ninguém se cura por meio de um tratamento finalizado quase uma década antes. 
 
Istoé - Os resultados terapêuticos eram insuficientes?
 Mikkel Borch-Jacobsen - Na maioria dos casos sim. Era comum que as condições dos pacientes piorassem, como no caso de Viktor von Dirsztay, que mais tarde chegou a admitir que a análise o destruiu. Muitos outros dos seus pacientes cometeram suicídio, como Margit Kremzir e Pauline Silberstein. Claro que qualquer terapeuta está sujeito ao risco de suicídio dos seus pacientes, mas a questão é que Freud nunca disse uma palavra sobre isso. 
Istoé - Ele escondia esses fatos?
 Mikkel Borch-Jacobsen - Como um bom positivista, Freud sempre afirmou que suas teorias eram baseadas na observação de dados clínicos. Por um longo período, porém, tudo o que sabíamos sobre esses dados se baseava no que ele escolheu nos mostrar. Ao compararmos essas histórias com a realidade, observamos discrepâncias que automaticamente invalidam as conclusões de Freud. Os medicamentos, por exemplo, foram sistematicamente excluídos das histórias que ele contou, mas muitos dos seus pacientes eram viciados em morfina. Hoje é muito claro que a droga teve em alguns casos um papel essencial no tratamento. Freud dizia, por exemplo, que diante dos ataques histéricos de Anna von Lieben, a Cäcilie M. citada em “Estudos sobre a Histeria”, ele conduzia um tratamento hipnótico que a fazia se sentir melhor. O que ele não nos contava é que as crises dela eram causadas por abstinência de drogas e que ela se acalmava quando ele lhe dava uma injeção de morfina. A famosa cura catártica nada mais era do que cura com morfina.
Istoé - Os diagnósticos dele são questionáveis?
 Mikkel Borch-Jacobsen - Sim, os diagnósticos que Freud alegava fazer tão cuidadosamente escancaram discrepâncias entre sua prática real e suas descrições. Quando o pai da jovem Ida Bauer, que Freud eternizou como Dora, a levou até Freud devido a um episódio de asma, o analista instantaneamente diagnosticou neurose. Mas como ele poderia saber? Aquela era a primeira vez que ele a via. Há vários exemplos desse tipo e uma vez que definia seu diagnóstico, Freud o mantinha obstinadamente, mesmo que os fatos mostrassem a ele outro caminho. As consequências dessa postura frequentemente eram bem sérias, como quando Freud forçou Horace Frink a se divorciar da esposa para se casar com a milionára Angelika Bijur para combater a homossexualidade que o paciente negava vigorosamente.
Istoé - Freud chegava a dar conselhos tão diretos aos pacientes?
 Mikkel Borch-Jacobsen - Ele intervia diretamente na vida dos seus pacientes e não hesitou em instigar alguns a se casarem e terem filhos, por exemplo. Foi o que aconteceu com Max Graf e Olga Hönig, os pais do “pequeno Hans” – e o casamento foi um completo desastre. Em outros casos, Freud proibia pacientes de se masturbarem, como no caso da sua filha, Anna Freud. Sempre que essas instruções eram dadas, Freud era a voz da autoridade.
 
Istoé - Ele acreditava que podia tratar a filha?
Mikkel Borch-Jacobsen - Freud queria muito ajudar a filha a se desligar dele e isso fica claro em várias cartas que ele escreveu a amigos. Mas a única coisa que ele podia oferecer a ela era a psicanálise, o que, obviamente, era a coisa mais estúpida que ele poderia fazer. Como ela conseguiria se curar se sua única ajuda era de um analista que era o próprio pai do qual ela deveria se desligar? Por mais óbvio que pareça, Freud não percebeu isso. Não estou dizendo que ele abusou da filha, de jeito nenhum, ele a amava. Mas estava tão convencido de que sabia como ajudá-la que não permitiu que ela se libertasse dele.
Istoé - Para Freud, a psicanálise sempre funcionava?
Mikkel Borch-Jacobsen - Sim, claro, ele acreditava que havia descoberto a cura para as doenças mentais. Freud tinha suposições teóricas que o impediam de ver o que estava acontecendo. Ele estava tão convencido de que a terapia funcionava que, quando ela não dava certo, ele simplesmente achava que era necessário ir mais fundo no inconsciente. Só no fim da sua vida, em seus últimos artigos, ele admitiu que os métodos eram inconclusivos em alguns casos.
Istoé - Mas em algum momento ele foi deliberadamente negligente ou desumano com seus pacientes?
 Mikkel Borch-Jacobsen - Sim, a forma como ele sacrificava seus pacientes no altar das suas teorias é vergonhosa. Marie von Ferstel, por exemplo. Ela era uma mulher rica que sofria de fobias e de constipação. Freud disse a ela que, para resolver esses problemas, ela teria que aprender a se desapegar, por exemplo, do dinheiro. O que ela fez? Transferiu para ele o título de uma das suas propriedades, que ele prontamente vendeu. Eu acho isso imperdoável. Freud simplesmente não era uma pessoa admirável.
Istoé - De que forma essas revelações atingem a psicanálise hoje?
 Mikkel Borch-Jacobsen - Não vejo como salvar a psicanálise diante de tudo isso. Eu sei que muitas pessoas admiram Freud como um pensador independentemente das vicissitudes de sua prática. Também acho que ele era um gênio, tinha ideias realmente incríveis. Mas as suas teorias são contraditórias demais às suas práticas para serem levadas a sério.
Istoé - O sr. aponta essas contradições em 31 casos e Freud atendeu pelo menos cinco vezes mais pacientes. Não poderia ser coincidência?
 Mikkel Borch-Jacobsen - Uma das minhas principais fontes de pesquisa foram as entrevistas com pacientes de Freud conduzidas por Kurt Eissler, que era secretário do Arquivos de Freud. Esse material ficou inacessível até 1999, quando Eissler morreu e, a partir daí, começou a ser colocado em domínio público, processo que só deve acabar em 2057. Eissler tinha enorme interesse em defender a memória do pai da psicanálise e se essas entrevistas fossem positivas não teriam sido tornadas confidenciais. Muita coisa ainda será revelada, possivelmente conseguiremos rastrear outros pacientes, mas não acho que as novas histórias irão contradizer as estatísticas que já temos.
Istoé - Muitas pessoas afirmam hoje ter encontrado conforto na psicanálise. Não há nenhum valor nisso? 
Mikkel Borch-Jacobsen - No meu ponto de vista, neuroses, como histeria e obsessão, não são doenças mentais, são pedidos de socorro. A análise cumpre, nesses casos, o papel que a religião cumpria antes. As pessoas iam até o padre para buscar respostas e as encontravam. Qualquer uma das centenas de tipos de psicoterapias que existem hoje pode cumprir esse papel. Reconheço que, em alguns casos, pessoas com problemas pessoais podem encontrar conforto no divã.
Istoé - Mas seus livros parecem tentar destruir a psicanálise.
 Mikkel Borch-Jacobsen - Eu sou um acadêmico e meu único interesse é separar as verdades das lendas. Freud é apenas uma lenda. Ele reescreveu a história de acordo com seus propósitos pessoais.
Istoé - Essa sua postura crítica em relação à psicanálise acompanhou toda a sua carreira?
Mikkel Borch-Jacobsen - Não, no início eu era simpático à psicanálise e tinha interesse especial na escola Lacaniana.
Istoé - E o que essa mudança significou profissionalmente?
Mikkel Borch-Jacobsen - Eu era constantemente convidado para conferências e para escrever artigos em revistas até que eu publiquei meu primeiro livro mais crítico sobre Freud. A partir desse momento, não fui mais convidado para nada. Não se pode ser crítico à psicanálise sem sofrer as consequências disso.
Istoé - O sr. também estudou a psiquiatria. Acredita que esse é um caminho mais válido para tratar doenças mentais?
 Mikkel Borch-Jacobsen - A psiquiatria não é uma teoria única, mas, de forma geral, fez enormes progressos, como se vê, por exemplo, nos diagnósticos de esquizofrenia, depressão e outras doenças. Do ponto de vista da cura, porém, ela não avançou. Temos várias drogas hoje que nos permitem controlar certos sintomas das doenças mentais, mas ainda não há cura para elas e nem mesmo se conhece suas causas. A psiquiatria tenta encontrar soluções, mas ainda não foi bem-sucedida.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Guarani Kaiowá de boutique - Luiz Felipe Pondé

19/11/2012

As redes sociais são mesmo a maior vitrine da humanidade, nelas vemos sua rara inteligência e sua quase hegemônica banalidade. A moda agora é "assinar" sobrenomes indígenas no Facebook.
 
Qualquer defesa de um modo de vida neolítico no Face é atestado de indigência mental.

As redes sociais são um dos maiores frutos da civilização ocidental. Não se "extrai" Macintosh dos povos da floresta; ao contrário, os povos da floresta querem desconto estatal para comprar Macintosh. E quem paga esses descontos somos nós.

Pintar-se como índios e postar no Face devia ser incluído no DSM-IV, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.

Desejo tudo de bom para nossos compatriotas indígenas. Não acho que devemos nada a eles. A humanidade sempre operou por contágio, contaminação e assimilação entre as culturas. Apenas hoje em dia equivocados de todos os tipos afirmam o contrário como modo de afetação ética.

Desejo que eles arrumem trabalho, paguem impostos como nós e deixem de ser dependentes do Estado. Sou contra parques temáticos culturais (reservas) que incentivam dependência estatal e vícios típicos de quem só tem direitos e nenhum dever. Adultos condenados a infância moral seguramente viram pessoas de mau-caráter com o tempo.

Recentemente, numa conversa profissional, surgiu a questão do porquê o mundo hoje tenderia à banalidade e ao ridículo. A resposta me parece simples: porque a banalidade e o ridículo foram dados a nós seres humanos em grandes quantidades e, por isso, quando muitos de nós se juntam, a banalidade e o ridículo se impõem como paisagem da alma. O ridículo é uma das caras da democracia.

O poeta russo Joseph Brodsky no seu ensaio "Discurso Inaugural", parte da coletânea "Menos que Um" (Cia. das Letras; esgotado), diz que os maus sentimentos são os mais comuns na humanidade; por isso, quando a humanidade se reúne em bandos, a tendência é a de que os maus sentimentos nos sufoquem. Eu digo a mesma coisa da banalidade e do ridículo. A mediocridade só anda em bando.

Este fenômeno dos "índios de Perdizes" é um atestado dessa banalidade, desse ridículo e dessa mediocridade.

Por isso, apesar de as redes sociais servirem para muita coisa, entre elas coisas boas, na maior parte do tempo elas são o espelho social do ridículo na sua forma mais obscena.

O que faz alguém colocar nomes indígenas no seu "sobrenome" no Facebook? Carência afetiva? Carência cognitiva? Ausência de qualquer senso do ridículo? Falta de sexo? Falta de dinheiro? Tédio com causas mais comuns como ursinhos pandas e baleias da África? Saiu da moda o aquecimento global, esta pseudo-óbvia ciência?

Filosoficamente, a causa é descendente dos delírios do Rousseau e seu bom selvagem. O Rousseau e o Marx atrasaram a humanidade em mil anos. Mas, a favor do filósofo da vaidade, Rousseau, o homem que amava a humanidade, mas detestava seus semelhantes (inclusive mulher e filhos que abandonou para se preocupar em salvar o mundo enquanto vivia às custas das marquesas), há o fato de que ele nunca disse que os aborígenes seriam esse bom selvagem. O bom selvagem dele era um "conceito"? Um "mito", sua releitura de Adão e Eva.

Essas pessoas que andam colocando nomes de tribos indígenas no seu "sobrenome" no Face acham que índios são lindos e vítimas sociais. Eles querem se sentir do lado do bem. Melhor se fossem a uma liquidação de algum shopping center brega qualquer comprar alguma máquina para emagrecer, e assim, ocupar o tempo livre que têm.

Elas não entendem que índios são gente como todo mundo. Na Rio+20 ficou claro que alguns continuam pobres e miseráveis enquanto outros conseguiram grandes negócios com europeus que, no fundo, querem meter a mão na Amazônia e perceberam que muitos índios aceitariam facilmente um "passaporte" da comunidade europeia em troca de grana. Quanto mais iPad e Macintosh dentro desses parques temáticos culturais melhor para falar mal da "opressão social".

Minha proposta é a de que todos que estão "assinando" nomes assim no Face doem seus iPhones para os povos da floresta.

ponde.folha@uol.com.br
Luiz Felipe Pondé
Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa). Escreve às segundas na versão impressa de "Ilustrada".

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