terça-feira, 21 de abril de 2009

Conversa com a doutoranda

Conversa com a doutoranda
Escrito por Jarbas Passarinho

Aceitei a proposta, solicitando-lhe gravar o que eu diria, mas antecipei que tudo que eu afirmasse, na comparação das quatro décadas, eu me obrigava a acompanhar de provas. A primeira pergunta foi o porquê do golpe de 64, sua razão de ser, caso a tivesse, já que ela ouvira versão de que a alegação de ameaça comunista fora pretexto para os militares tomarem o poder. Lembrei-lhe que o mundo estava vivendo a Guerra Fria, dividido em dois hemisférios ideológicos: o comunismo e o anticomunismo. O primeiro avançava desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Além dos países da Europa central e oriental que a União Soviética anexara, Mao Tse Tung vencera na China, Ho Chi Min em parte da Indochina lutava contra os americanos no Vietnã, a descolonização da África aumentara os regimes comunistas e Fidel Castro fazia de Cuba a ponta de lança exportadora da revolução leninista na América Latina, com guerrilhas comunistas atuando nos nossos vizinhos, Venezuela e Colômbia. Irônico que lhe parecesse, nós militares éramos antigolpistas, preparando-nos para enfrentar a ameaça do golpe representada pelo governo João Goulart. Não que fosse ele comunista. Era um latifundiário pecuarista, com aliança com diversos tipos de esquerda, inclusive os comunistas. Mostrei-lhe a prova: o livro Prestes, lutas e autocríticas, por ele ditado em 1982 ao jornalista Dênis de Moraes. Nele, Prestes revela a aliança com Jango, visando a erigir um Estado de aliança da ''burguesia progressista'' com os comunistas. Em nome das ''reformas de base'', Brizola pregava o fechamento do Congresso e criara uma facção paramilitar, o ''grupo dos 11'', para atuar em força, se necessário. Jango tentou dominar o Congresso e os adversários políticos pelo estado de sítio. Acabou retirando a proposta dada a reação do Congresso. Tudo isso não passava, para nós, de veleidades políticas, até que sargentos armados em 1963 tomaram o quartel dos fuzileiros navais, prenderam um ministro e ocuparam parte de Brasília. Foram rechaçados por tropas legais do Exército, com mortos e feridos. Estava clara a ameaça militar, com o motim revolucionário e a quebra da disciplina e da hierarquia, o que se repetiu com os marinheiros e fuzileiros navais amotinados no Rio de Janeiro.

Então nós passamos de antigolpistas, preparados para nos opor à ameaça concreta, a golpistas e decidimos nos antecipar a ela. Prova? Outro livro de um comunista e escritor honesto: Combate nas trevas, de Jacob Gorender. No capítulo ''Pré-revolução e golpe preventivo'' ele descreve a revolução que estava em processo e o golpe de Estado, preventivo.

A doutoranda, limitando-se até então a ouvir e gravar meu testemunho, atacou: ''por que o ditatorial AI-5, de quem dizia defender a democracia?''. Respondi-lhe que em 1967 já atuavam guerrilhas comunistas no Brasil com dissidentes de Prestes. Se um Estado agredido pelas armas responde fogo contra fogo passa a autoritário. É o dilema que enfrenta. Se não reagir restringindo as liberdades democráticas, elas serão usadas pelos insurgentes para tomar o poder. Mas - insistiu ela - só se pode combater a insurgência pela ditadura? Passei então a outra prova: a Colômbia. Não restringiu as liberdades civis e políticas e o resultado foi que há 40 anos não vence a guerrilha comunista, as Farc, que já dominam mais de um terço do território colombiano. O Estado nesse caso é suicida.

Pediu-me então para comparar as realizações nas quatro décadas, afirmando desde logo que os resultados materiais foram inegáveis no ciclo militar, mas sob o autoritarismo. De fato, aduziu ela, o Brasil se modernizara, a economia atingira a oitava do mundo, as rodovias asfaltadas, as hidrelétricas construídas, uma em Tucuruí, a maior nacional, e a outra a de Itaipu, a maior do mundo. Mas não poderia isso ser realizado sem perda das liberdades durante 20 anos? Primeiro - respondi - só tivemos autoritarismo a partir do AI-5 que durou 10 e não 20 anos. Por quê? Para enfrentar as guerrilhas urbanas, todas de comunistas. A ameaça era concreta, os guerrilheiros financiados e treinados não só em Cuba. O mundo ainda não mudara. O Muro de Berlim ainda existia.

Os regimes autoritários tendem a tornar-se democráticos. Assim, com a Emenda Constitucional número 11, de outubro de 1978, o AI-5 foi revogado bem como todas as medidas de exceção. As liberdades fundamentais foram restauradas e em março de 1985 o governo foi passado pacificamente aos civis. Cuba continua ditadura cruel, que não se cansa de oprimir e matar.

Reconheço que viver em democracia é infinitamente preferível, ainda que nos 20 anos de democracia plena, em que estamos, a economia já seja a décima quinta do mundo, as rodovias estão abandonadas e os Correios que já foram reconhecidos pela eficiência, como um dos melhores do mundo, hoje são antro de corrupção. Reconheço ainda que a convocação da Constituinte, em 1987, foi instrumento de admiráveis conquistas de direitos civis e políticos e de caráter social, mas Fernando Henrique Cardoso, ao fim de seu segundo mandato, disse que ''o Funrural é o maior programa de renda mínima do mundo''. Só esqueceu de dizer que foi criado em 1969...

Não há, no que tange às liberdades, melhor regime que o democrático. No mundo atual não há nenhuma razão para ditadura. A globalização, desde o colapso da URSS, erigiu o regime universal democrático como princípio de forma de governo. Deus permita que assim seja, sempre.



Publicado no Jornal do Brasil - 7/6/2005

Tortura e terrorismo

Escrito por Jarbas Passarinho

“Com razão tem sido sustentado que a prática de tortura não é limitada a algum específico sistema político ou regime, a determinada cultura ou religião, ou situação geográfica, desde as eras primitivas da história da humanidade” (prof. dr. Dionísio Spinellis, da Universidade de Atenas).

Destaco a universalidade da prática e a nenhuma exceção aos diferentes regimes. Seu irmão xifópago, o terrorismo, nasceu, como prática política, já no mundo moderno, a partir de Robespierre e seu “reino do terror”. Derivou, na história contemporânea, para a monstruosidade dos Estados totalitários, bem assim dos grupos terroristas da segunda metade do século 20, empenhados em abalar e derrubar regimes burgueses. Che Guevara deles discordou em seu manual Guerra de guerrilha, “porque perdem o apoio popular”. Ao contrário, Carlos Marighella defendia o terrorismo como forma de luta na guerrilha.

Na Constituinte de 1987 — 1988 a esquerda, sobretudo o PT, que abrigara terroristas anistiados, bateu-se pela condenação da tortura como crime hediondo. Nós, no plenário, Roberto Campos inclusive, aprovamos a emenda. A seguir, considerando igualmente hediondo o terrorismo, propusemos condená-lo também. Encontramos forte oposição de petistas seguidores de Carlos Marighella na luta armada, apologista dos seqüestros, atentados a bomba, assaltos de bancos e assassínios. Hoje, tortura e terrorismo estão no artigo 5º da Constituição, ambos considerados crimes inafiançáveis e desmerecedores de anistia.

Quando leio que o ministro Paulo Vannuchi declara publicamente que a Lei da Anistia deveria ser revogada, para que se punam os que, na luta armada contra os comunistas, ele atribui haverem torturado, dou-lhe o troféu de coerência. Revejo o plenário da Constituinte em 1987, quando discutíamos os direitos e deveres individuais e coletivos. Recordo a dicotomia no julgamento da tortura e do terrorismo.

O ministro dos Direitos Humanos foi da Aliança Libertadora Nacional liderada por Carlos Marighella cuja bíblia era o seu Manual do guerrilheiro urbano. Militante que foi da ALN, tem o dever de ser contra a tortura, mas não contra o terrorismo, cuja prática absolve ideologicamente como arma legítima de luta armada. De resto, a primeira ação da luta armada foi o atentado terrorista, em 1966, do Aeroporto Guararapes, no Recife. Estava lotado, não só de correligionários da Arena, que iam receber o general Costa e Silva, eleito indiretamente presidente da República. Anunciado que ele vinha de Aracaju por terra, a maioria dos presentes já se retirara quando a bomba explodiu. Matou cinco, feriu dezenas de inocentes. Três bombas mais falharam em pontos da cidade. O ministro Vannuchi é coerente com seu passado e hoje trata, no governo, dos Direitos Humanos, assimetricamente, o que lhe é muito adequado.

Khruschev, em seu discurso histórico no XX Congresso do Partido Comunista soviético, de 1956, comprovou, como comunistas leais haviam sido, no XVII Congresso do Partido, objeto de acusação forjada de “inimigos do povo” (o mais grave dos crimes), presos e submetidos a “brutais torturas” para assinarem confissão do crime que não haviam cometido. Um julgamento comprometido com Stalin e a NKVD os sentenciou à morte, o que levou a um genocídio entre 1937 e 1938.

Dos 139 candidatos ao Comitê Central, 98 foram mortos, vítimas de “culpas fabricadas”; e de 1966 delegados, 1.108 deles foram assassinados. Um dos mais qualificados disse ao fim do julgamento: “Reconheço que esta assinatura é verdadeira, mas não o é qualquer palavra dessa falsa confissão”. As torturas não acabaram depois da morte de Stalin. Não. Quando em 1968 os tanques soviéticos esmagaram a Primavera de Praga, os torturadores vieram da União Soviética para torturarem os tchecos presos.

Fidel imitou Stalin. Armando Valladares, jovem guerrillheiro desde Sierra Maestra, católico praticante, porque discordou verbalmente da adesão de Fidel ao comunismo em 1961, foi preso. Nas várias prisões, foi torturado e nelas sofreu 21 anos, até que, a pedido de Mitterrand, foi libertado. Em seu livro Contra toda a esperança, descreve as brutais torturas que sofreram todos os presos, desde simulação de fuzilamento à limpeza do excremento acumulado numa só latrina para muitos detidos, que um deles, aleatoriamente, tinha de desentupir com a mão nua. Lula, hóspede do Dops de Romeu Tuma por 30 dias, cavalheirescamente tratado, cometeu a repulsiva injustiça de chamar Valladares de “picareta”.

Nossos guerrilheiros treinaram em Cuba e na China de Mao, onde a tortura era a norma desde Stalin. Hoje mentem, dizendo que fizeram uma “resistência democrática”. É falso. Quem o afirma é um deles: Daniel Aarão Reis Filho, que foi preso e exilado. Em entrevista publicada, disse que essa versão surgiu para fortalecer a campanha da anistia. “Seu objetivo era implantar uma ditadura revolucionária.” Que moral têm para acusar aqueles que têm, na consciência, a mancha indelével da tortura?

Fonte: Correio Braziliense - 05/08/2008

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